segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Churchill's (engarrafado em) 2014 Crusted

O que é um Crusted?


Um estilo muito pouco falado, aliás, practicamente desconhecido do público, e mesmo entre enófilos, é um tema um pouco obscuro e relativamente confuso. O que é afinal um Crusted?


Talvez o mais elementar que se possa dizer é que se trata de uma designação para Porto da família dos Ruby, e não é uma designação qualquer, tem o grau de exigência de um Vintage, isto é, o topo da classificação desta família.


Depois, uma nota sobre o ano ostentado no rótulo: Não é o ano da colheita, mas sim o ano de engarrafamento! Se reparar, e em particular neste rótulo da Churchills, a menção é "Bottled in 2014". Porquê "bottled in" e não o ano de colheita? Porque os Crusted são vinhos de vários anos, normalmente um lote de duas ou três colheitas, podendo ser mais, logo, não pode ostentar um ano de colheita.


Sobre o própria designação Crusted, não consegui encontrar muitas explicações, nem em literatura, nem no próprio IVDP. Várias casas falam de vinhos que ganham sedimento (crosta), por não serem submetidos a processos de filtragem ou colagem, ou processos ligeiros de filtragem, desenvolvendo sedimento naturalmente após o seu engarrafamento. De notar que os vinhos têm de passar por um processo de estágio em garrafa de 3 anos.


Contudo, agradou-me mais a explicação dada por Johnny Graham, o fundador da Churchill's (fundada em 1981), que referiu que o termo crusted terá surgido em Inglaterra. Resumindo, os importadores ingleses compravam vinho a granel, à pipa, e era assim que o vinho era expedido e era lá engarrafado (Desde os anos 90 que esta practica está banida, o vinho para ser certificado tem de ser engarrafado na região). No processo de engarrafamento, nunca se engarrafava a totalidade da pipa, pois os sedimentos do vinho ficavam no fundo, cerca de 15 litros por cada pipa de 550 litros. Parece pouco, mas falamos de uma quantidade suficiente para encher 20 garrafas. Nada de especial se fosse apenas uma pipa, mas tratando-se de um importador, seriam várias dezenas, fazendo com que este valor se torne muito relevante, em quantidade e em valor. Então, todos os fundos era juntos novamente em pipa, uma espécie de lote de borras (esta designação é minha, não de Johnny Graham) que se deixava repousar, para se voltar a decantar, e engarrafar um Porto das borras, um Crusting Port ou Crusted Port.


Esta explicação faz sentido, e acrescento ainda mais. Poucas casas fazem este estilo de Porto, e tanto quanto consegui apurar, apenas casas inglesas (tirando a honrosa excepção da Quevedo) o produzem, como a Graham's, Taylor's, Niepoort e a Churchill's. Há aqui a tradição de exportar para este mercado, o que, a meu ver, dá ainda mais sentido a este depoimento, que aconteceu numa prova online organizada pela Churchill's, que tive oportunidade de participar.



Essa prova, para além de muito interessante e relevante para o estilo Crusted, foi também educativa do ponto de vista de prova. Cada participante recebia em casa três garrafas para poder provar simultâneamente com o Johnny Graham e com Ricardo Pinto Nunes, o director de enologia da casa. Muito interessante ver lado a lado três vinhos diferentes, um Crusted engarrafado muito recentemente (2014), com um outro já com algum tempo de garrafa (2007) e outro já com duas décadas de garrafa (2000), pois provamos uma versão mais jovem, aquilo que podemos esperar ao adquirir um Crusted colocado recentemente no mercado, ver a sua evolução a médio prazo e a longo prazo. A prova foi realizada do mais antigo para o mais recente:


  • 2000

Um lote das colheitas 1998 e 1999. Cor ruby, já ligeiramente aberta e com tonalidade acastanhada, com borra fina bem visível. Notas de cereja e cacau, mas já com evolução, alguma terra molhada, cânfora, madeira muito delicada, num conjunto doce mas elegante, um conjunto com carácter de evolução. Textura cremosa, com untuosidade, tanino já pouco presente e fino, meio-doce, frescura moderada, álcool presente mas bem integrado, sem excessos. Final persistente, já com alguma elegância, deixando uma nota de cacau e alguma frescura vegetal.


  • 2007

Lote das colheitas 2005 e 2006. Cor ruby, com tom acastanhado, borra fina presente, mas ainda em pouca quantidade. Chocolate, cânfora, tabaco, fruta preta compotada mas muito discreta, terra molhada e madeira velha, alguma especiaria Fino, mas com concentração, de tanino quase imperceptível, bem como a barrica, num estilo meio-doce mas muito equilibrado pela frescura, 

Final muito persistente, com notas de fruto seco a lembrar noz, com a nota de cacau sempre presente, salivante, com uma frescura mentolada. Cativante, elegante, num belíssimo ponto de consumo.


  • 2014

Lote das colheitas 2012 e 2013. Cor ruby intensa, já com vestígios de borra fina. Aroma doce, predominantemente de fruta vermelha madura, chocolate. Estruturado, com concentração, quase um vintage, mas fino no tanino, com frescura presente, do início ao fim, mentolado, com a fruta presente, doce, mas pouco, muito bem equilibrado.



Para mim, Crusted passou a ser uma referência, um estilo muito interessante, de qualidade, a um preço muito mais acessível do que um Vintage. Não é um Vintage, não é de uma só colheita, não tem a magia e a notoriedade de um Vintage, mas é um vinho que tem a concentração de um Vintage, mas um pouco mais pronto a beber quando é lançado. Algo entre um Vintage e um LBV, isto é, tem a concentração de um e a prontidão a beber do outro, até em termos de preço fica entre os dois estilos, uma espécie de "vintage dos pobres". Experimentem, penso que não se irão arrepender.


#avinhar


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